Márcio Messias da Conceição, morador de Campinápolis, passou a vida toda em uma fazenda e nunca utilizou um serviço público; autoridades investigam condição análoga à escravidão.
Sem registro, sem documentos oficiais, sem acesso aos direitos básicos garantidos pela Constituição, como ser atendido em um posto de saúde, ter carteira de trabalho ou mesmo votar. Foi assim a vida de Márcio Messias da Conceição, de 72 anos, que conquistou o registro tardio pela Vara Única de Campinápolis, a 565 km de Cuiabá e 16.223 moradores.
Ele passou todo esse tempo vivendo em uma fazenda, a 65 km da cidade. Desde que conseguiu o documento, emitido na segunda-feira (12), Márcio tem uma nova vida..
Para "existir", contou com a ajuda de um amigo, o eletricista Aparecido Antônio de Lima, de 50 anos. Os dois se conhecem desde 2004, mas foi somente com a emergência de se vacinar contra a Covid-19, no ano passado, que eles buscaram agilizar a documentação. Afinal, sem registro, ele não poderia se imunizar.
Com esse intuito, Aparecido procurou o gerente da fazenda onde Márcio trabalhava e morava. O patrão disse, segundo ele, que não ajudaria e ignorou o pedido. A primeira dose só veio com o auxílio de um vereador, que conseguiu a emissão de um cartão do Sistema Único de Saúde (SUS).
Márcio não vive mais na fazenda e os amigos se tornaram a família que nunca teve. Afinal, ele saiu de casa aos 9 anos -- por isso, sequer se preocupou e não sabia da importância de levar consigo os documentos.
Natural de Imperatriz (MA), o idoso veio para Mato Grosso para trabalhar no campo desde que rompeu com a família.
"Escolhi o estado por causa da oportunidade de trabalho", contou.
Sobre a fazenda onde passou boa parte da vida, Márcio relatou que trabalhava com madeira e fazia porteiras também. Pelo trabalho, segundo ele, deveria receber R$ 170, mas ganhava apenas R$ 70.
A suspeita de que ele tenha passado as duas últimas décadas em trabalho análogo à escravidão estão sendo investigadas, de acordo com o promotor de Justiça Roberto Arroio Farinazzo Junior, que cuidou do caso no Ministério Público do Estado.
A história de Márcio, segundo o protomor, evidencia um problema presente na zona rural.
“Infelizmente, algumas pessoas passam toda a vida sem mal saber a data de nascimento e o próprio nome. Normalmente são pessoas que vivem na área rural, em situação de extrema vulnerabilidade e invisibilidade social”, disse.
Já na decisão da juíza Lorena Amaral Malhado, que proferiu a urgência do Registro Tardio de Nascimento ao idoso, fundamentou que esse registro assegura os direitos básicos de Márcio, assim como de qualquer cidadão ao nascer.
“Sua inexistência impossibilita o exercício dos atos civis, causando ao indivíduo a impossibilidade de ser matriculado em estabelecimento de ensino, obter Carteira de Trabalho e Previdência Social”, afirmou na sentença.
g1