Escrivães ainda foram beneficiados com progressões de cargos e salários
A juíza Célia Regina Vidotti, da Vara de Ação Civil Pública e Ação Popular, acatou as alegações do Ministério Público Estadual (MPE) e decidiu mandar o Estado de Mato Grosso a demitir cinco policiais civis que, a despeito de não terem jamais feito concurso público, trabalhavam em regime de estabilidade e ainda conseguiram progressões de cargo, salário e carreira.
Ela também condenou A.C.S., B.F.W., G.B., J.D. e L.F.S. ao pagamento das custas processuais, além de estabelecer uma multa de R$ 5 mil diários caso a PJC não proceda à anulação de todos os atos que concederam os benefícios.
Os promotores públicos de justiça alegaram na ação civil declaratória de nulidade de atos administrativos e obrigação de não fazer, inicialmente, contra o Estado de Mato Grosso para que o juízo declarasse a nulidade absoluta dos atos que reconheceram a estabilidade extraordinária de servidores públicos fora das hipóteses permitidas em lei. Alegaram estarem pautados no Inquérito Civil SIMP número 0356-023/2011, aberto para apurar a ilegalidade nas estabilidades funcionais concedidas a servidores temporários da PJC e de outros órgãos estaduais.
Citado, o Estado apresentou contestação e interpôs um agravo de instrumento contra a decisão de aceitar a ação e conceder a liminar para barrar novas progressões aos cinco funcionários. Como a inicial continha um grande número de servidores em situação idêntica, o processo principal foi desmembrado, implicando na instauração de diversos outros processos para melhor análise de cada caso. A Vara Especializada de Ação Civil Pública e Ação Popular acatou a sugestão de alinhar os cinco no mesmo processo e fez emendar os autos para “evitar prejuízo ao exercício da defesa e do contraditório”.
Assim, o representante do MPE apresentou aditamento da petição inicial detalhando a situação funcional de cada um dos servidores, com a data de ingresso e o cargo ocupado por eles separadamente e ressaltou a inconstitucionalidade de utilizar o artigo 258, da Lei Complementar número 155/2004, que serviu de fundamento para a concessão das estabilidades concedidas a estes. Também pediu reconhecimento de inconstitucionalidade a qualquer ato de estabilização semelhante ou reenquadramentos em cargos efetivos de todos os nomes constantes na inicial.
Um deles, G.B., apresentou contestação e pediu prescrição para ajuizamento de ação civil pública preliminarmente e, no mérito, alegou ocorrência de decadência porque se encontra no cargo público há mais de vinte e oito anos sem qualquer questionamento da administração, ressaltando “ausência de má-fé” em sua conduta e o princípio da segurança jurídica.
Na sequência, todos os outros apresentaram defesas semelhantes, com os mesmos argumentos e fundamentos. O Estado defendeu a validade dos atos administrativos que reconheceram a estabilidade de todos no serviço público porque os requeridos foram contratados antes da Constituição Federal de 1988. A.C.S. e B.F.W. entraram como escrivães de polícia comissionados, ao contrário de G.B., que inicialmente ocupou o cargo de direção e assessoramento superior para só depois ocupar o cargo de escrivão.
Nos casos de J.D. e L.F.S., o Estado reconheceu que foram contratados depois da CF 1988, mas no mesmo cargo em comissão. Assim, todos os requeridos ocuparam o posto comissionado de “escrivão de polícia”, mas embora este tenha a denominação de “cargo em comissão”, possui atribuições inerentes aos dos servidores efetivos. Ressaltou que a Procuradoria Geral do Estado é competente para emitir pareceres acerca de providências a serem tomadas em relação aos servidores não estáveis, conforme o princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança.
A defesa do Estado sustentou, ainda, que atos administrativos, mesmo quando eivados de irregularidades, devem ser confirmados pela passagem do tempo, porque são sempre prescritíveis e houve ocorrência, além da prescrição, de decadência. O Ministério Público impugnou todas as contestações dos requeridos e os argumentos foram acompanhados pela magistrada.
Ela explicou que não há que se falar em decurso do prazo prescricional ou decadencial de anulação de ato administrativo praticado em afronta à Constituição Federal e que é exatamente pelo princípio da supremacia desta que todas as normas ou atos administrativos em desacordo com regras e pressupostos constitucionais não se consolidam na ordem jurídica e podem sim ser considerados nulos por decisão judicial a qualquer momento, independentemente de quanto tempo tenha se passado desde o cometimento das ilegalidades. “Isso se deve em virtude do vício de inconstitucionalidade que contamina gravemente os atos, e assim, passam a não se submeter a prazo decadencial ou prescricional. A inconstitucionalidade é, pois, vício que não convalesce nunca, que não cede nem mesmo diante do imperativo da segurança jurídica, da boa-fé e da dignidade da pessoa humana. Portanto, a decadência e a prescrição não podem atingir a pretensão de declaração de nulidade de ato administrativo supostamente inconstitucional”, escreveu Vidotti.
Por fim, julgou procedentes os pedidos iniciais para, diante da flagrante inconstitucionalidade, declarar a nulidade dos decretos 3.075, 3.030, 2.010, 1.762 e 3.093, que concederam indevidamente a estabilidade extraordinária no serviço público a A.C.S., B.F.W., G.B., J.D. e L.F.S., bem como declarar nulo todos os demais atos administrativos subsequentes, como enquadramentos, progressões e incorporações, etc.
“Condeno os requeridos ao pagamento das custas judiciais e despesas processuais pro rata, deixando de condenar o Estado de Mato Grosso, uma vez que é isento. No tocante aos honorários advocatícios, deixo de fixá-los, pois incabíveis em ação civil pública movida pelo Ministério Público, seja ele vencedor ou vencido”, determinou a juíza.
Nenhum deles, entretanto, ficará sem salário até que a causa, com seus múltiplos recursos, seja julgada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em um prazo indeterminado para isso, pois agora a sentença será reavaliada pelo Tribunal de Justiça de Mato Grosso, depois pelo Superior Tribunal de Justiça e só então chegará ao STF. O pagamento será cortado 15 dias depois disso.
Rodivaldo Ribeiro/ Folha Max