Os moradores de Nova Lacerda (MT) tiveram sua rotina transformada nos últimos três anos. O clima de cidade pequena – o município tem apenas 6,3 mil habitantes, segundo dados do IBGE – fez com que a comunidade se unisse para que crianças e adolescentes tivessem todos os direitos garantidos. Mas não tem sido uma tarefa fácil.
Pamela Rinaldi é nascida e criada dentro de Nova Lacerda. Ela viu essa transformação de perto, mas acredita que o caminho ainda é longo. “A cultura dentro do município ainda gera muitos ‘pré-conceitos’ que podem dificultar as ações”, alerta.
Pamela é mobilizadora no município pelo Selo UNICEF, uma iniciativa do Fundo das Nações Unidas para a Infância que prioriza políticas públicas para crianças e adolescentes. Os municípios do Semiárido e da Amazônia Legal são convidados pelo UNICEF para participarem do desafio. Se conseguirem cumprir as metas, as prefeituras recebem, após três anos, um selo que comprova o empenho da comunidade em colocar a juventude no topo com políticas intersetoriais.
“Nós cobramos muito dos conselhos e das secretarias de educação, saúde, assistência social, esportes, é nosso papel”, adianta a articuladora. Ela destaca a mobilização de adolescentes como uma das ações quem mais têm funcionado no município. Segundo Pamela, mesmo com dificuldades e barreiras geradas por uma cultura machista, o trabalho é em prol da orientação e da prevenção – especialmente na saúde do próprio corpo.
Nesse sentido, a mobilizadora reforça que a participação da família é fundamental. “Às vezes, por falta de orientação, de acolhimento e de cuidado, os jovens têm relação sexual sem se prevenir. Aí pegam doença ou acontece a gravidez de forma precoce. Estamos trabalhando em cima disso, fazendo campanhas para melhorar esses índices”, diz.
Por meio de palestras e dessas campanhas de prevenção, Pamela e a comunidade têm visto índices de violência e de abuso sexual reduzirem em Nova Lacerda. “Os jovens se sentem mais seguros agora para denunciar e procurar ajuda”, comemora. “Mas a cultura municipal muitas vezes vê isso como um incentivo à prática de sexo, por exemplo. Na verdade não é esse o objetivo, é no sentido de orientar mesmo”, esclarece.
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E essa orientação tem um foco. Nos últimos cinco anos, foram registrados mais de 50 mil casos de adolescentes entre 15 e 19 anos grávidas em Mato Grosso. A Secretaria de Saúde do estado observou esse aumento em 2018 – só nesse ano, foram quase 10 mil meninas gestando bebês. “É necessário quebrar os paradigmas para acabar com essa cultura machista e com a cultura do estupro. Os jovens têm que saber, têm que entender, têm que ser orientados. Não adianta fechar os olhos diante da realidade”, comenta Pamela.
O trabalho do UNICEF, segundo a oficial de Participação de Adolescentes do UNICEF para a Amazônia Legal, Joana Fontoura, é que essas informações cheguem até meninos e meninas sem preconceito e sem estigma. “Não queremos que eles pensem que buscar esse conhecimento é algo errado ou inalcançável”, diz.
Joana comenta a importância de uma informação de qualidade para que eles possam reconhecer, inclusive, situações de violência e de abuso. “Trabalhamos para que eles tenham espaço para buscar ajuda e apoio, tudo dentro dessa promoção de saúde sexual e reprodutiva.”
Ações no MT
Pamela Rinaldi lembra que outras ações são desenvolvidas no município para que essa primeira participação no Selo UNICEF seja exitosa. Com “expectativa a mil”, a mobilizadora confia no trabalho feito por todos na cidade e comenta que todas as estratégias foram feitas de forma a conquistar e conscientizar crianças, adolescentes e famílias.
“A gente quer abrir um mundo de possibilidades para crianças e adolescentes em relação a educação, saúde, profissão, esporte. Não podemos fechar as possibilidades para que eles cresçam achando que a vida é só casar, ter filhos, ser dona de casa. Nosso objetivo é fazer com que eles pensem além disso”, explica.
Além de Nova Lacerda, outros 73 municípios aderiram à iniciativa do Selo UNICEF no ciclo de 2017-2020 – participação maior do que na edição passada (2013-2016), que teve 34 municípios. Desses, 30 municípios foram certificados.
Pâmela brinca que todos estão trabalhando com “gosto de gás” e se empenhando para que as ações sejam realizadas dentro do prazo para conseguir a certificação. “Não é só pelo Selo, mas também pelos benefícios para a toda a comunidade”, garante.
“É importante que todo o município esteja engajado e trabalhando para alcançar os resultados sistêmicos propostos pelo Selo, mas sobretudo que estejam engajados para garantir direitos para cada criança e cada adolescente”, propõe a oficial de Educação do UNICEF no Brasil, Julia Ribeiro.
O Selo
Implantado pela primeira vez em 1999, no Ceará, o Selo UNICEF já contabiliza 20 anos de história e de mudança na vida de milhões de crianças e de adolescentes em situação de vulnerabilidade no Semiárido e na Amazônia Legal. Atualmente, 18 estados são alcançados pela ação – Alagoas, Bahia, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte, Sergipe e norte de Minas Gerais, no Semiárido, e Acre, Amazonas, Amapá, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins, na Amazônia Legal.
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Com o sucesso das experiências, o Selo cresceu e, hoje, procura aplicar o aprendizado das edições anteriores aos participantes da atual. A metodologia foi unificada para o Semiárido e Amazônia Legal e introduziu o conceito de Resultados Sistêmicos no lugar de ações, visando dar sustentabilidade às iniciativas dos municípios e garantir que as crianças e adolescentes continuem sendo beneficiadas pelas políticas públicas implementadas mesmo após o fim do ciclo.
O Selo é dividido em ciclos, que coincidem com as eleições municipais. No atual ciclo (2017-2020), 1.924 municípios aceitaram o desafio, sendo 1.509 do Semiárido e 805 da Amazônia Legal. Cumprindo as metas propostas pela ação, o município recebe, após três anos, um selo que comprova e reconhece o esforço da comunidade envolvida.
No ciclo de 2017-2020, os municípios devem apresentar os resultados das ações desenvolvidas até 30 de junho (prazo prorrogado), por meio da plataforma Crescendo Juntos, no site do Selo UNICEF. A comprovação das atividades é feita por meio de documentos comprobatórios e anexados no portal. O envio pode ser feito pelo computador, celular ou tablet ou com auxílio de agentes comunitários, caso o município não tenha acesso à internet.